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Thursday, June 27, 2013

Carta Aberta a um Pacense:

Meu amigo (!!)
 Lá te vi, naquele Domingo, no campo do Carvalhal! Grande dia hein?!... Lá estavas tu, no topo Sul, nervoso, roendo as unhas, com a alma em sobressalto, uma grande esperança no peito e uma não menor bandeira na mão. Sofrias - eu vi que sofrias!... Mas consola-te, porque eu também sofri… Só que, a mim, não me animava a esperança que te alumiava…, mas uma fé - uma fé chamada certeza - de que ainda não era desta que matavas o “carneiro”… E não foi!... Eu compreendo o teu desespero: vejo-te a deitar contas à vida e a ver o que hás-de hipotecar para contratares o Cruyjff e o Cubillas que acabem de vez com isto: sim, porque aquele Jesus e os seus apóstolos, ainda não é o almejado Messias que te há-de redimir de raiva de nunca teres ganho a meio dúzia de valentes moços, para quem o futebol não é coisa que lhes meta o pão na boca… Oh, se eles não tivessem de se levantar todos os dias às 7 e de dar ali no duro, para poderem sustentar a família…! Oh, se eles se limitassem a dar pontapés na bola…, bem treinados, bem comidos e… bem pagos…! Já te passou pela cabeça o que seria? Onde terias tu de ir recrutar jogadores para os venceres? Onde???!!... Diz-mo, pacense amigo, diz-me tu, que sabes discorrer, tu, que tens jardins floridos e relvados, tu, que tens monumentos e estátuas, tu, que tens Câmara Municipal e tudo… Diz-mo tu, que tens “snack-bares”, cafés sumptuosos para sumptuosas trocas de impressões, tu, que tens Palácio de Justiça!... Diz-mo! Ensina-me! Elucida-me, já que eu - pobre freamundense… - não tenho jardins, nem monumentos, nem estátuas, nem “snacks”, nem salões de chá, nem palácios de justiça e quase chego a duvidar que a Câmara também me pertença… Tu tens o dever de mo saberes dizer: quem tem Palácios de Justiça, tem obrigação de possuir um discorrer palaciano, pelo menos, de possuir fachada capaz de assombrar os outros, de os diminuir pela impotência, de os constranger ela majestade.
 Mas se não queres, se esse segredo for o teu grande trunfo, não mo digas… Não quero saber! Prefiro continuar na ignorância a ter de morder todo de inveja, por não possuir a tua astúcia, o teu perseverante querer, o teu poder financeiro, a tua teimosia, a tua arguta percepção destas coisas… Não mo digas, senão obrigas-me a ter de andar de porta em porta, suplicante e rasteiro, a implorar aos patrões dos meus rapazes que deixem ir aos treinos… Obrigas-me a ter de ir pedir ao banco a libertação do Ernesto às 4 horas… Tu sabes lá o que me custa ir pedir ao banco ao banco seja o que for: seja o Ernesto, seja um desconto, seja uma melhoria física, seja uma reforma a 90 dias… Lembra-te dos pobres dos accionistas, coitados, não queiras sentir na consciência o remorso de seres o causador da baixa das cotações… Não me obrigues a ter de prometer à rapaziada uma fatia de queijo suplementar por cada nova vitória, na sanduiche de marmelada que estão a auferir por domingo… Não mo digas, pois, pacense amigo! Não me faças quebrar o voto que fiz de só jogar com gente cá de casa… Não me obrigues a ter de ir a Lousada ou Vizela procurar reforços que te detenham… Não me obrigues a gastar gasolina, que está pela hora da morte… Sê patriota! Colabora com o Governo nos seus insistentes pedidos: poupa gasolina! Não mo digas; e se eu, depois, perder contigo…, paciência. Alguma teria de ser e uma vez não são vezes…
Mesmo, as coisas já estiveram piores para ti: desta vez já empatás-te! Bem sei que não meteste golo nenhum, mas empataste!... A propósito, queria fazer-te um pedido: O Martinho - sabes quem é? Aquele moço que te livrou de mais uma derrota… Pois, como dizia, o pobre do Martinho é casado, tem família a sustentar e está tudo tão caro… Não achas que seria justo os teus jogadores dividirem com ele o prémio do empate fora de casa? Era um gesto bonito! Vê lá se arranjas isso ao moço. Mesmo para calar as más-línguas, que andam por aí a dizer que te portaste mal, que atiraste com pedras, que o que querias era fazer interditar o nosso campo… Gente má! Gente perversa! Se são coisas que se digam de ti! Tu eras lá capaz de atirares com pedras!! Tu, cabeça de conselho, mentor dos seus destinos, com Palácios de Justiça e tudo, eras lá homem para uma atitude dessas?! Cabe lá na cabeça de alguém que viesses para Freamunde de pedra no bolso e intenção igual no sapato!! Para quê? Para as atirares aos nossos? Nem sequer viram que quem levou com elas foi um dos teus… Gente má! Não ligues: deixa-os falar… Bem… é certo que as atiraste, que - se calhar …. - até as trazias de casa… mas isso que tem? É proibido andar com pedras no bolso?... Não é gasolina em latas, LSD, marijuana ou qualquer droga, não é bacalhau sonegado ou artigo de contrabando… Há alguma lei que obrigue à licença de porte de pedra?? Não há, que eu saiba. Estavam bem servidos os bois ou e outras alimárias que andam na estrada a puxar esses carregamentos de esteios e de padieiras… Já viste o que seria a polícia a abordar na via pública um animal de carga e a dizer-lhe: “Senhor boi, mostre-me a sua licença!”… E o pobre do animal a ter de parar, de limpar o suor, de cumprimentar o guarda, de desabotoar o casaco, de puxar pela carteira e de ter de mostrar o papelinho sorridente?... Já viste? Era caricato? Ora tu não és menos que um boi, salvo seja! Se o animal anda sem licença, tu também podes andar ou então já não há justiça neste mundo! E desculpa a comparação, que não tem a mínima intenção de te ofender: é só um exemplo, é, - como diria o Solnado - um “supúnhamos”…
Todos viram, pois, que as pedras se destinavam aos teus e ninguém tem nada com isso. Se lhas atiraste, lá terás as tuas razões, que eu cá não sei quanto lhes pagaste para nos ganharem…, nem me interessa. Volto a aconselhar-te: Não lhes ligues. O que esses maus freamundenses estão é danados por só terem empatado com uma equipa como a tua e, agora, vingam-se a levantar calúnias destas! Que eu, para mim, ninguém me tira da cabeça que as tuas pedras eram uma pura intenção de amizade para com Freamunde. Tu não querias magoar ninguém, tu querias era ajudar o “Freamunde” a construir um estádio como o teu e trouxeste-lhe materiais de construção com a melhor das boas vontades… Lá disseste com os teus botões: “Não está certo que a Câmara nos tenha arranjado um estádio com o dinheiro de todo o concelho e que Freamunde, que joga futebol tão bem como nós - pelo menos nunca lhe ganhámos… - que também contribuiu para o nosso campo, que é tão pobre que nem pode contratar os “Cubillas” que por aí andam, que, ao fim e ao cabo, é que é o grupo do concelho, pois só o concelho tem atletas, e que em Freamunde - dizias - nem um mictório se construa onde o triste freamundense possa verter a sua mágoa de munícipe de 2ª…” Foi ou não foi assim? Não tenham dúvidas: cá para mim foi essa intenção que te fez levantar a mão que segurava a pedra; essa mão que me recuso a considerar criminosa; que me nego a apodar de suja e carente de lixívia educacional… e que se me depara amiga, luminosa, de verdadeiro irmão…!  Diz lá pacense amigo: foi ou não foi esta a tua verdadeira intenção? Não me desmintas! Não digas que não, que só te fica mal!!...
De resto, que inveja, que raiva te pode merecer os freamundenses para os vires apedrejar em sua própria casa com satânico furor? Que tem Freamunde, que possas cobiçar? Que tem Freamunde que tu não tenhas? O quê, o quê?... tu, que até tens palácios de justiça? As festas Sebastianas?... Ora, ora! E o teu santo Amaro tão concorrido, tão animado, tão redundante…., hein?! A Feira dos Capões?... Pois sim!... Uma Banda de Música mais ou menos afinadita?! Como se tu não tivesses por aí quem saiba vestir uma farda e quem bufe a preceito…! Um corpo de bombeiros abnegados e prestos? Se calhar a mangueira de Freamunde é mais comprida do que a de Paços… Um grupo de teatro menos mal engerocado? E tu, não tens também…? Ah, é verdade: não tens. Mas isso para que serve? Para que queres tu “cómicos” aí em casa? Para fazer rir os outros? Se ele há tanta gente maldosa que se ri de ti mesmo sem “cómicos”… Não queiras “cómicos”: quem se quiser rir que faça cócegas onde lhe der mais jeito. Um grupo de futebol certinho…? Se calhar é melhor do que o teu, que até já empata com ele - à custa dos “Martinhos”, é certo, mas empata pronto! (A propósito: tiveste boa ideia em mudares de amarelo para azul. Parabéns! Sempre é uma cor mais decente, ou não fosse a cor do Freamunde… É a cor do céu, a cor do mar, a cor ideal para os belos olhos… Já pensaste o que seria o céu amarelo? O mar, então, devia parecer um enorme bacio antes dos despejos. Já imaginaste um olho amarelo, de remeloso aspecto?... Credo que impressão! Eu logo já nem janto...! Vê lá a figura em que andavas! Fizeste bem em mudar de cor: só provaste, mais uma vez a tua inteligência e um notável refinamente de gosto, parabéns!).
Mas, voltando às comparações… Mas quais comparações?? Não há mais nada a comparar! Tudo o resto é teu, só tu possuis!... Tu tens tudo: tens Cartório Notarial, tens Delegação de Saúde, tens posto da G.N.R., tens Câmara Municipal, tens “Pop-2000”!!... E nós nada disso te invejamos! Pelo contrário: até ajudamos a essa justa posse, cedendo-te funcionários zelosos e competentes para o seu perfeito funcionamento. Demos-te escrivães para o Tribunal, delegado médico para a tua saúdinha, funcionário para o Grémio do Comércio, chefe para o Correio, empregada para o “Pop” ou lá o que é, presidente para a Câmara… Que mais queres de nós?!... Que outras provas de sincero amor!... E tu bem sabes que nenhum deles te atraiçoa, não os vês puxar mais para nós do que para ti… Antes pelo contrário! É certo que não te arranjamos ninguém para o Grémio da Lavoura, para a Cadeia ou para a guarda… Mas tu bem sabes que hoje todos são fidalgos e que ninguém quer ir para a lavoura, para a cadeia muito menos e com a guarda quanto menos conversa melhor. Como vês, nós somos teus amigos. Só te queremos bem. Tu é que parece até que nos tens raiva, o que eu não acredito. Pois se até já dizem que chegas a ter raiva dos próprios nomes que nos chamas: que nos chamas “espanhóis” e, afinal, andas a implantar aí a dinastia filipina, que já tens o Filipe I e o Filipe II, mas que, se não te deres bem com esta reinação, que hás-de arranjar o terceiro e o quarto e que no quarto é que ficarás bem…, mas fechado à chave… Vê lá bem as que se inventam!!!... Mas não ligues, volto a dizer-to! Não passes cartão: é tudo uma garotada… Quem tem Palácio de Justiça, quem tem “POP-2000” ou seja lá que número for, não deve dar ouvidos a gente reles que sabe lá o que são “pops”, que não andam “à lá pago”… Pipas! Pipas é que eles sabem! Para os emborracharem e dizerem mal dos outros!... Não ligues! Põe os olhos em mim, que sou teu amigo e sou-o porque sei que pagas na mesma moeda… O futebol é que é o culpado. Raio de praga! O que nos havia de aparecer! E fica sabendo que, na segunda volta, quando o Freamunde for jogar à tua hospitaleira casa, no tal estádio que nós sabemos, eu lá irei levar-te o meu abraço amigo e consolidar esta amizade… Desculpa se não te levar nenhuma lembrança, mas tu bem sabes que sou pobre… Nem pedras te poderei dar, com a franqueza que no-las trouxeste… Quem não tem Palácios de Justiça, não achas? Irei com as mãos vazias, mas com o coração cheio de boa vontade, de fraternal alegria… que ganhe o melhor … ou o que tiver mais sorte, não interessa… Pode ser, até, que algum dos teus queira retribuir a gentileza do nosso Martinho… Era um lindo gesto! Calava-nos cá dentro!... Mas, se os teus ganharem, não te aflijas por mim: paciência. Que diabo! Tu também tens direito a ter um gosto na vida… Palavra que até gostava. Se fosse eu a mandar, até te mandava as “reservas” para te facilitar a vida. Só para ver se dessa vez sempre era, se sempre matavas o malfadado “carneiro” que - rai´s o parta! - nem de velho quer morrer…
Até lá, saúde e gasolina que te deseja este amigo Freamundense.
Lisboa, Fevereiro de 1974                    

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