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Wednesday, January 8, 2014

A moeda da minha avó:

Dentro de seis dias vou à China. Agora, subo a colina da Ajuda afim de me despedir da minha avó. Faço-o sempre que viajo e, invariavelmente, ela recomenda: "Cuidado com o avião." É uma avó muito bela: pequena, seca, teias de rugas que se entrecruzam, só osso, sofrimento e coragem. Quando fiquei sem mãe ela descia ao bairro da cidade onde o meu pai e eu vivíamos, para verificar se estava tudo bem. "Comes bifes?, bebes leite?", perguntava repetidamente. Vou no Volkswagen, série 18, com dois óculos na retaguarda, prestações mensais de 10 escudos, o carro traqueja, estou feliz, talvez porque seja a quadra das festas, talvez porque é o meu primeiro carro, porque vou viajar e porque vou ver a minha avó. Talvez isso tudo.
O carro não dispõe de mudanças automáticas, adquiri-o em segunda mão, tenho dificuldade em mudar de velocidade, o motor regouga, vou fazer 24 anos, e sou o senhor do mundo. China, Cuba, a palavra revolução sempre me refulgiu no prestígio que comporta. Ainda hoje. E os nomes que a emolduram são os nomes de laços inalteráveis, mesmo que tudo depois se contorça e desmorone. Mao Tse-tung e Chu En-lai, Fidel Castro e Camilo Cienfuegos. Fidel, na Sierra Maestra, a ler L"esprit des Lois, de Montesquieu. Mao e a Grande Marcha. Tudo isto poderá ser esquecido?
O jornal onde trabalho conseguiu que viajasse para lá de Macau. "Escreve, sobretudo, o que sentires, não apenas o que vejas", recomendou--me o chefe da Redacção. Subo a colina da Ajuda, e a felicidade transborda de mim. Li os livros de Claude Roy e de Malaparte, e os impressionantes relatos dos padres jesuítas que chegaram além do sítio aonde vou. E levo comigo a Bíblia, oferta de um tipógrafo anarquista, Eurico Ventura, que me ensinou a transcendência do homem e a grandeza daquilo que desconhecemos.
Uma vez, para tranquilizar a minha avó, disse-lhe que ia viajar, sim, mas desta vez de barco. Aflita, respondeu-me: "E se um avião cai em cima do barco?" Sorrio, no interior do Volkswagen, comovido com a genuinidade de uma mulher que passou por tudo o que de áspero a vida tem para oferecer e nunca perdeu a candura nem a capacidade de se espantar.
Reparo, agora, a meio da calçada, que na leitaria do Zenida montaram um rectângulo e que numerosas luzes coloridas iluminam o estabelecimento. Surpreendente para quem como o Zenida é um unhas-de--fome, e aquele gasto de electricidade poderia parecer-lhe desnecessário por supérfluo. Ocasionalmente, os ventos do Norte pareciam transfigurar a colina, e o palácio alargava as sombras temerosas. Já não há esses ventos, é estranho como tudo muda, penso agora ao pensar na minha avó, ao chegar junto dela, engelhada e frágil. Olha-me, beijo-a, pega-me na mão, coloca na palma um objecto redondo, uma moeda de 5 escudos. "É para a tua viagem." Ainda tenho a moeda. Está aqui: veja-a.
Tudo isto aconteceu?
Baptista Bastos
No DN de hoje

Tuesday, January 7, 2014

Falar de Eusébio:

É fácil. É daquelas personagens que chegam vêem e conquistam quem o rodeia. Fez um ou dois jogos pelas reservas do Sport Lisboa e Benfica e alcançou logo a titularidade. Sabe-se que quando assim acontece alguém é sacrificado. Esse alguém foi Santana. Que grande ídolo! Depois de andar pelos Salgueiros veio parar ao Sport Clube Freamunde como treinador-jogador. Aqui esteve vários anos. Certamente bebeu água do Agrêlo. E não deve ter sido pouca por que fez de Freamunde a sua segunda terra. Rumou daqui para o cemitério de Benfica onde está sepultado desde mil novecentos e oitenta e nove.
Eusébio mostrou ser um goleador nato e em boa hora veio render José Águas. Fazia-nos delirar com os seus dribles em corrida com os seus remates fosse da forma que fosse. Um guarda-redes não sabia qual o momento do remate. Para Eusébio não havia impossíveis. Teve um início auspicioso.
Lembro-me dos muitos jogos que vi através da Televisão. Pessoalmente só o vi uma vez em Guimarães. Mas há coisas que não saem da minha memória. E a do Campeonato do Mundo de Futebol (Jules Rimet) de mil novecentos e sessenta e seis é que não me deixa. 
Na primeira fase Portugal foi classificado em primeiro lugar e a Hungria em segundo. Eis os resultados de Portugal: Portugal 3-1 Hungria, Bulgária 0-3 Portugal, Brasil 1-3 Portugal. Depois da qualificação há que esperar pelo primeiro jogo da fase de eliminatórias marcado para o dia vinte e três de Julho.
As festas Sebastianas tinham sido antes quinze dias e de arromba como já era apanágio em Freamunde. Andávamos felizes por uma e outra coisa. Nos quatro dias que antecederam o jogo não faltavam comentários sobre a próxima eliminatória à porta do Café Américo. É que a partir da fase de grupos vinham as eliminatórias e diziam muitos que agora é que se ia ver quem tinha unhas para tocar viola. Calhou-nos a Coreia do Norte. Como nós também era uma estreante por estas andanças. 
Nesse tempo Portugal padecia de tudo: pobreza, analfabetismo. Trabalho é claro que não faltava mas ganhava-se pouco para o muito que se trabalhava. O horário era das oito horas às doze com intervalo de uma hora para o almoço e das treze às dezassete de segunda a sábado. Anos mais tarde veio a “semana-inglesa” e pouco anos depois a “semana-americana”. Se o jogo era às quinze horas tinha-se que perder tempo o que os patrões não estavam de acordo. Havia obra para entregar e se não fosse entregue os patrões não recebiam e não podiam fazer o pagamento semanal aos seus empregados. A mim acontecia o mesmo.
Trabalhava na Oficina de Estofos Hernâni em Paços de Ferreira. Foi um grande Freamundense. Naquela altura quem não fosse de Freamunde pelo menos todos os Domingos aqui fazia poiso quer fosse a assistir aos jogos de S. C. Freamunde ou nas tabernas, cafés e outras coisas mais. O senhor Hernâni tinha sido massagista do Sport Clube Freamunde. Mas com ia dizendo todos os seus empregados queriam assistir ao jogo via Rádio Televisão Portuguesa e o senhor Hernâni como bom português que era também queria mas tinha o compromisso da entrega da obra aos seus clientes e com isso o recebimento do dinheiro para pagar aos empregados. Combinou-se o seguinte: de sexta para sábado trabalha-se ininterruptamente até toda a obra ficar pronta. E… assim aconteceu. No sábado por volta das dez horas podemos dar por findo o nosso acordo. Já não podia com o corpo. O sono era muito.
Dormi umas horas e pus-me a pé para almoçar e depois rumar ao Café do Américo para assistir ao jogo sem antes fazermos um jogo de futebol no campo da feira. Chegou-se às quinze horas à que ir guardar lugar nas cadeiras do café. Estava o café à pinha. Começado o jogo sofremos logo um golo. Passados poucos minutos o segundo e o terceiro. Que desilusão. Passar uma noite inteira a trabalhar e ver que os jogadores portugueses não estavam a fazer um mínimo de esforço para contrariar aquele resultado.
Pensava para mim: Portugal na primeira fase tinha sido fogo-de-vista. Lembrava as conversas havidas à porta do Café Américo: “agora é que se ia ver quem tinha unhas para tocar viola”. Tinha que dar razão aos “Velhos do Restelo”. Mas estava neste pensamento quando Eusébio, quem havia de ser, reduzia para um a três. A primeira parte não acabou sem que Eusébio, novamente ele, reduzir para dois a três através de uma grande penalidade cometida sobre Torres. Mas não era o bastante até que o intervalo chegou.
Lá abandonamos o café para dar seguimento ao jogo que tinha sido interrompido. Aproximava-se o início da segunda parte e uma boa parte dos que estavam a jogar já não sentiam vontade de a ir assistir. Eu fui. Se trabalhei uma noite inteira para esse efeito tinha de assistir. Mais a mais depois queria ter bases para fazer críticas. Mas não foi preciso.
Pouco tempo depois de começar a segunda parte Portugal faz os três a três. E quem devia ser o marcador do golo? É claro! Eusébio. A gritaria foi estrondosa. O Café Américo fica a cem metros do campo da feira. Acto contínuo o café ficou repleto e todos gritavam: só mais um. E não é que quando Eusébio vai ficar isolado sofre dois derrubes. Jogada clara para penalti. O árbitro nem hesitou.
Eusébio continuava no chão a ser tratado pelo massagista da selecção nacional Manuel Marques. No café todos pedíamos para o Eusébio se recompor. A alguns pouco faltou para rezarem. Mas as mãos milagrosas de Manuel Marques tudo resolvia. Eusébio dirigiu-se para a marca da grande penalidade a coxear. Batia com as mãos na perna dando a entender que estava adormecida. Que raio de sorte. Só tínhamos confiança nele. Logo agora que podia ser resolvido o resultado.
Mas eis que Eusébio parte para a bola e esta acaba dentro da baliza. Que algazarra no café! Todos se abraçavam e até os velhos do Restelo se rendiam à evidência. A partir dali era fazer um jogo inteligente para segurar o resultado. Os Norte-coreanos estavam com os olhos em bico. Depois veio os cinco a três de autoria de José Augusto. No café as cervejas já não eram bebidas na totalidade. Atiravam-se os restos para o ar. Era uma festa de arromba. Acabado o jogo já não tínhamos vontade para dar continuidade ao que deixamos suspenso. Há que dar azo à alegria.
Assim disse: abençoada a noite de trabalho e o dia vinte e três de Julho de mil novecentos e sessenta e seis. Por todos estes motivos é que Eusébio é enorme. Tanto no cemitério do Lumiar como no Panteão Nacional.

Sunday, January 5, 2014

Adeus Eusébio:

Há muitos anos que deixou de jogar futebol mas manteve sempre o seu estatuto de Rei no futebol. Não teve uma carreira de treinador. Há jogadores que foram do melhor como jogadores mas não tinham vocação para treinar. Não se pode ter tudo. Mas uma coisa teve. A lealdade para com o Sport Lisboa e Benfica. Assim como o clube teve para com ele. Nunca o desamparou. É gratificante quando se vê a entidade empresarial segurar o maior ídolo.
Há vários clubes assim mas não muitos. Pelo menos em Portugal. Também não há muitos clubes a ter reis com Eusébio. Por isso os benfiquistas estão tristes e contentes por ver o que um homem é na vida do seu clube. Um clube não se torna grande pela soma dos troféus. O que o torna grande é a humildade e o modo como são tratados os seus atletas. E… quer queiramos ou não o Sport Lisboa e Benfica é um exemplo neste capítulo.
Por isso é digno ver o que a comunicação mundial diz de Eusébio e do Benfica. Pode-se morrer fisicamente. Mas a obra essa permanecerá para todo o sempre. Quantos se aproveitam desta situação para melhorar a sua conduta. Mas coitados.  

Saturday, January 4, 2014

Humor fim-de-semana:


Diz o ginecologista à paciente:
- O seu clitóris parece a tampa de uma caneta BIC!
- Porquê? Está azul?
- Não, está todo mordido!

Friday, January 3, 2014

Passagem de ano ou virada de ano:

Já escrevi várias vezes que não ligo grande coisa à passagem de ano. Desde que me lembro os momentos em que senti maior alegria com a passagem de ano foi nos anos mil novecentos e setenta e um e dois mas por motivos pessoais. Cumpria serviço militar em Balacende, Angola, e ansiava que esses dois anos passassem rápidos para vir para o seio da família e amigos. Eram tempos difíceis e a distância era longa.
Depois sempre vi nas comemorações da passagem de ano uma forma de consumismo. Não digo que não deva haver. Sabe-se que o comércio, turismo e outras activades que asseiam pela chegada destas datas para que as finanças renasçam. Mas uma coisa é ser solidário com as necessidades destas instituições e outra é compreender a maneira exuberante como se festeja a vinda de um ano que à partida sabe-se que para os portuguese ainda vai ser pior. Só por puro narcisismo.
Mais a mais que não é uma passagem. Quando se dá uma passagem a pessoa ou coisa que a recebe assume o activo ou passivo. Mas aqui não. Os problemas transitaram e a vinda de outros está por breve. Ao menos se se pudesse varrer para debaixo do tapete como muitos fazem com o lixo ainda tinha atenuantes. Sendo assim têm razão os brasileiros de chamar à passagem de ano virada de ano. Porque a passagem de ano não foi mais que um virar de página. Tudo ficou igual. Quem devia ser passado ainda ganhou mais benesses.
Cavaco Silva sem pudor não se importa de prejudicar sempre os mesmos. E beneficiar os da sua laia. Que pena não lhe acontecer o mesmo que a Afonso VI. Não vejo personagem mais real para esse papel. Não tem cabimento nenhum no que faz, ou seja, o que faz é o que lhe mandam porque não tem voto na matéria e há quem diga que o mesmo acontece a ele como com D. Afonso Henriques. Passo a explicar:
Quando o jovem D. Afonso Henriques teve de assumir o poder da nação foram-lhe detectadas uma série de complicações psiquiátricas. Por esse motivo teve-se de se arranjar um substituto para tomar o lugar sem que o povo se apercebesse. Egas Moniz que tinha um rapaz à sua guarda da mesma idade e sexo viu nisso a forma de remediar a situação. É o que sempre ouvi dos “mentideiros”. Portanto não dou como seguro.
Assim como não dou como seguro como alguém disse há tempos que não é Cavaco Silva quem aparece na televisão e que toma as muitas más decisões mas sim um sósia. Duvido e não. Mas vendo as coisas há algo de real. Quem viu o primeiro mandado de Cavaco Silva fica perplexo com as decisões de hoje. Quando invectivava os jovens para a insubordinação no governo de Sócrates porque o povo não aguentava tantos sacrifícios este era o verdadeiro Cavaco Silva. Por isso a minha desconfiança por tal mudança. E não concordo com a passagem de ano. Porque o que está a acontecer é como dizem os brasileiros: viragem de ano: 

Thursday, January 2, 2014

O presidente no seu melhor:

A mensagem de Ano Novo dita ontem aos portugueses pelo presidente da República é um bocejo. São seis páginas de conversa mole e desinteressante em que Cavaco Silva mostra como politicamente é: um monumento ao taticismo e ao equilibrismo, de modo a não chatear Deus, nem incomodar o diabo.
Ao dar uma no cravo e outra na ferradura, como diz o povo, o chefe de Estado mostra, por outro lado, toda a sua fragilidade enquanto ator político. Num tempo que reclama decisão e ação, o presidente da República escolhe a lassidão (política, claro).
Cavaco Silva está metido na trincheira que o próprio cavou quando, na crise do verão quente de 2013, tentou transformar um triângulo num quadrado, tese em que ontem insistiu, ainda que de maneira mais sibilina. A embrulhada do "compromisso de salvação nacional" foi de tal forma mal gerida e teve um tal resultado que, agora, o chefe de Estado não pode, sob pena de abrir o flanco, tecer um encómio ao Governo ou, ao invés, dirigir-lhe uma crítica mais severa - seria imediatamente acusado de estar a tramar Passos, por quem, como se sabe, não morre de amores.
Piscar o olho a Seguro é, igualmente, possibilidade fora de causa. A inversa também é verdadeira. Um elogio ou um ralhete ao líder do principal partido da Oposição seriam tomados como uma ajuda ao Governo e uma afronta ao PS.
É por estar metido nesta camisa de onze varas que o chefe de Estado nos presenteou com pérolas do seguinte calibre:
- "O desemprego manteve-se em níveis muito elevados". Ai sim?
- "Orgulhamo-nos de viver numa democracia consolidada". Viva!
- "No ano findo, surgiram sinais que nos permitem encarar 2014 com mais esperança". Consta que o comum dos portugueses ainda não avistou tais "sinais", apesar de redobrados esforços para chegar ao final do mês com os bolsos mais compostos.
- "Há que reconhecer o extraordinário esforço feito pelos nossos empresários e trabalhadores". Ai sim?
- "Há razões para crer que Portugal não necessitará de um segundo resgate. Um programa cautelar é uma realidade diferente". A sério?
Há um ano, o presidente da República mandou o Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional, por entender que os gigantes sacrifícios pedidos aos portugueses afetavam "alguns mais do que outros", facto que naturalmente lhe suscitava "fundadas dúvidas".
Este ano, apesar da violência da crise continuar a manifestar-se em todo o seu esplendor, Cavaco não esclareceu sequer se pretende pedir aos juízes do Palácio Ratton ajuda para descortinar eventuais problemas no Orçamento. A razão é simples: o presidente da República odeia, mas odeia mesmo, meter-se em (inevitáveis) problemas antes do tempo.
No JN de hoje

As pessoa não aguentam:

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