Numa terra para o bem e para o mal fazem parte dela os seus habitantes quer sejam naturais ou residentes. É deles e com eles que é feita a sua história. Freamunde tem milhentas de histórias iguais à que vou contar. E, não é só dos “importantes” que reza a sua história. Os mais "simples" também têm o seu quinhão.
Em Freamunde e por iniciativa de António “Rodela” deu-se lugar ao livro Pedaços de Nós com versos seus e ilustração de Vitorino Ribeiro. Lembra muitos Freamundenses que já partiram deste mundo e outros que estão entre nós.
Este intróito serve para avivar uma figura que durante anos e anos foi minha vizinha. De fracos recursos. Quer económicos ou intelectuais. Vivia com a mãe e enquanto pôde andava ao jornal em casas que requisitavam os seus serviços. Um plantar de couves, um semear de batatas ou um amanho de terra. Dizem que era um pouco mandrião e por via disso eram mais os dias em que não trabalhava.
Várias vezes fui a sua casa e deparava com a miséria vivida por sua mãe com quem Joaquim Taipa vivia. Ele solteiro, ela, não sei se viúva, nunca conheci o seu marido. Sei que tinha um filho emigrado no Brasil que nunca chegou a cá vir. Era o dono do terreno e casa em que habitava Joaquim Taipa e a D. Rosalina, sua mãe. Tinha um tutor pois não confiava no seu irmão.
O tempo não se compadece com estes pequenos senãos e D. Rosalina e outra idosa de nome D. Maria da “Poça”, que ali vivia num casebre contiguo à casa de Joaquim Taipa, derivado à falta de familiares, eram ajudados pelos seus vizinhos do lugar da Bouça.
A minha mãe, Marília “Careca”, Cecília “Teles” e outras mais tomaram a tarefa do asseio das casas da D. Rosalina e D. Maria da “Poça” assim como todos os dias a sua alimentação. Ora uma vizinha ora outra do pouco que tinham para os seus. Os tempos eram difíceis e antes da divisão era mais um pouco de água que se acrescentava.
Enquanto estas senhoras foram vivas bem estava Joaquim Taipa. Com as suas mortes, Joaquim Taipa sofreu quer emocional - julgo eu - quer fisicamente. As ajudas deixaram de se processar ao domicílio porque Joaquim Taipa era de fraca resposta e qualquer mulher não estava para o aturar.
Assim de vez em quando era-lhe servida uma malga de caldo que ele comia à porta da casa do dador. Mas sempre a perguntar se não havia um copito de vinho. - Não Joaquim! O meu homem só o bebe aos sábados e domingos - respondia-lhe minha mãe.
Teve uma vida errante. Como errante era o seu caminhar pela vila - hoje cidade - a estender a mão à caridade.
Quantas vezes se sentava no banco de pedra em frente à farmácia Barros à espera da moeda. Quando perfazia uma certa quantia era vê-lo deslocar-se ou para a tasca das Elviras ou para a do Manuel da “Balbina”. No seu pensamento estava o vinho. Era o sustento que mais ambicionava. A vida continuava e ele cada mais se arrastava. Parecia um farrapo humano. Sempre com a mão estendida à espera da moeda. As pessoas deixaram de lhe dar e ele respondia mal.
Cada vez mais definhado. Via-o e dava-me pena pois fui durante muitos anos seu vizinho. A minha meninice foi passada na proximidade da sua casa. E como é tradição dos Freamundenses gostamos que os vizinhos sejam bem-sucedidos.
Não era o caso e havia que arranjar solução para o seu problema. Assim foi levado para o asilo de Paços de Ferreira.
Não gostava mas não havia alternativa. Cheguei a vê-lo sentado nos bancos exteriores do asilo e a tristeza estava reflectida no seu rosto.
Um dia acabou por falecer. Não sei se foi sepultado no cemitério de Meixomil ou de Freamunde. Não tinha ninguém para reclamar o seu corpo.
Mas os Freamundenses, como o Rodela, não se esquecem de personagens como o Quim “Bicha” - era assim como era conhecido embora sempre reclamasse ser tratado por Joaquim Taipa - e retractou-o num verso.
"O Sobretudo do Bicha"
O sobretudo do "Bicha"
já tinha montes de sarro
hoje ainda se escabicha,
p´ra se ver se é pano ou barro.
Quando lhe batia o sol
começava a fumegar,
e lá vinha um caracol,
por entre o sarro espreitar.
Os botões como ferrolhos,
cobertinhos de piolhos,
tão grandes como leões!
Guardava chuvas e ventos
e nos dias mais calorentos
dava p´rás quatro estações!
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