A revista da federação de futebol pediu-me um texto para o último número. Decidi escrever sobre a renovação das camadas jovens da seleção e de como faria sentido divulgar a tática do W invertido por esses relvados fora. Mentira. No máximo, poderia alvitrar sobre a recessão económica em V ou em W, a mais portuguesa de todas, porque a nossa economia é um ioiô. Ora sobe ora desce, ora diz que está muito em cima (para os padrões lusitanos) ora muito em baixo (até para os padrões lusitanos). Às vezes não cai, fica por ali, rasteirinha como a base de um L, a linha reta de um eletrocardiograma fatal_____.
Não quero no entanto cometer o erro de Rui Tavares, o do partido da papoila. Não quero adormecer ninguém. Anteontem à noite, estava o jogo a acabar em Estocolmo e o País já ardia em orgulho legível no Twitter, quando o dissidente do Bloco decidiu entrar na festa. Em vez de fazer uma tabelinha, decidiu-se por um monólogo à Ronaldo - só que com um remate para o pinhal. Pôs--se a tweetar sobre política. Pensei: mas que raio, deve ser mesmo um partido para 150 pessoas.
Volto, portanto, ao futebol. Dizia eu: o W invertido, a recessão em W. Como se vê, as letras têm significados, significados até gráficos, mas os gestos às vezes são mais eficazes. É o caso do abraço recente entre Paulo Bento e Luiz Felipe Scolari a seguir ao Brasil-Portugal. Como se costuma dizer, aquilo ficou-me na retina. É público e notório que Portugal sofre do complexo do vira-lata, nas palavras célebres de Nélson Rodrigues. O que é? É um sentimento de inferioridade que vai da costa à contracosta, de Portugal ao Brasil, e que se exprime nos relvados, na política, na economia e por aí fora. Quando entramos na refrega, seja ela qual for, a coisa já parece inclinada.
É evidente que o Brasil ainda sofre deste mal, embora não claramente no futebol. Na justiça, sim, na economia também, depois de um momento em que parecia que não. Mas no futebol isso já era há muito tempo. Anos e anos de vitórias limparam a baba bovina da humildade da boca do escrete canarinho (outra vez Nélson Rodrigues). O Brasil virou predador-vencedor nos relvados; e nas freeshops também.
Scolari não é o pai desta transformação, mas deu-lhe outra base para andar. Mais tarde, tentou fazer o mesmo quando treinou a seleção de Portugal e foi essa atitude (mata-mata) que ele deixou a Paulo Bento (Carlos Queiroz foi um infeliz parêntesis). Ora bem, o dia de concretizar a lição chegou. Cristiano Ronaldo, um super, ultra-atleta como Usain Bolt e Lebron James, fez-nos sair da Suécia não de cabeça curvada, em G, mas como um justo ponto de exclamação. Não mudou nada no País, claro que não, o futebol é de outra galáxia, mas vivemos uma alegria como há muito não tínhamos sequer a confiança para imaginar. É isto: são as aspirações que fazem girar o mundo.
ANDRÉ MACEDO
Hoje no DN
Hoje no DN
0 comments:
Post a Comment