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Wednesday, October 9, 2013

A tirania à espreita:

O ataque ao Tribunal Constitucional atingiu aspectos indecorosos. Dos sectores da Direita mais radical e asinina, até à colaboração de articulistas indignos, ou ao silêncio ordenado da maioria da "comunicação social", a execração ultrapassa tudo o que seria previsível. Até a troika, agora, em comunicado tão absurdo como abusivo, alude às decisões do Tribunal, interferindo, gravíssimamente, na estrutura jurídica de um Estado, apesar de tudo ainda soberano e democrático. O dr. Cavaco, ante esta acometida, calou-se de modo abjecto. E o enfadonho Durão Barroso também não se eximiu de admoestar os juízes do Constitucional, com aquela leveza paquidérmica habitual no seu estilo.
Parafraseando um velho amigo meu, Rui Cunha, socialista e homem de bem, não se dera o facto de aquele Tribunal se portar à altura dos legados morais, a ditadura já estaria aí, "reorganizada" em moldes "democráticos" e actualizada pelas circunstâncias europeias.
Há algo de podre e de dissoluto num Governo que estabelece leis e impõe métodos ilegítimos e se apoia numa falsa legalidade do voto. Na realidade, o voto permite ir até certo ponto, e impede que esse ponto seja tripudiado pelos caprichos de um grupo. Neste caso, de um grupo celerado. A partir da altura em que a lei é atolada, a rebelião patriótica torna-se exigência suprema.
Assisti, há dias, entre indignado e colérico, às declarações de Passos Coelho, num fórum de patrões. Foi muito aplaudido, porque se deslocara ao Algarve unicamente para fazer genuflexões de servilismo. O rol de iniquidades que aí vem, entre as quais a diminuição do subsídio de viuvez, torna as leis de Salazar uma piedosa litografia. Pior ainda: o tirano apoiava-se na repressão; este que tal, agora, sustenta-se na falsa "legitimidade" do voto "democrático." Ao patronato foi garantir a intocabilidade dos seus processos e o apoio político aos seus rumos. Aos outros, a nós, caucionou e parafraseou a frase sinistra do banqueiro Ulrich: aguentam, aguentam.
Temos necessidade de que os grandes problemas portugueses sejam estudados e dilucidados por homens que possuam e defendam valores morais partilhados. A partilha desses valores não me parece seja comum, não só entre os governantes como naqueles que se esticam para os substituir. A doença é endémica, e o paradigma que se nos pretende impor simplifica ou rejeita os princípios e os padrões de solidariedade e de compaixão que construíram a Europa do pós-guerra.
A questão central é a de que o capitalismo não tem emenda nem reforma, e de que estamos a ser apanhados por uma pertença de egoísmo e de violência sem paralelo, aliás, na génese do sistema. E quase sem possibilidade de nos defendermos. O desaparecimento da relação social é um projecto imperial de novo tipo, escorado na desagregação do próprio conceito de condição humana.
BAPTISTA BASTOS
Hoje no DN

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