A política portuguesa atingiu o nível mais rasteiro até agora visto. O "irrevogável" de Paulo Portas já faz parte do anedotário nacional e ao vê-lo, solene e compungido, beijar o anel de D. Manuel Clemente, na cerimónia de consagração do bispo como patriarca de Lisboa, não podemos remover a ideia de farsa de um comportamento que devia ser pautado pela rectidão de carácter. Mas Portas não está hipotecado a essas minudências da honra e do exemplo, e não venha ele lá agora dizer que a grotesca cambalhota foi dada em nome do "interesse nacional."
Não é só a ele, porém, que devemos imputar a falta de palavra. Ao admitir a validade do dito pelo não dito, tanto Passos Coelho como o extraordinário dr. Cavaco cumpliciaram-se na infâmia. O "novo" Governo, cerzido com a benevolente aquiescência de Belém, é um trambolho desprezível para todas as partes. Além de constituir uma afronta a todos aqueles que respeitam as regulares normas de conduta, e ainda mantêm a força de se indignar com a ignomínia.
Nesta parada repugnante, o pobre Passos Coelho acaba como um joguete, mais digno de compaixão do que de zombaria. Com Vítor Gaspar foi o que se viu. Aceitou todas as patifarias que o Grande Manitu infligiu a Portugal, o descalabro do desemprego, a queda abissal da economia e, por fim, a consciência de que todo o programa tinha falhado, assim como as previsões, todas as previsões "cientificamente" consumadas. Despediu-se com um mea culpa tão absurdo quanto impune. Nós é que fomos vítimas da experiência.
Meteu-se com Paulo Portas, subalternizando-o e desprezando a índole de um homem rancoroso, irresolvido, que não cresceu e capaz das mais torpes vinganças. Basta recordar o que fez a Manuel Monteiro, a alegre cilada a Marcelo Rebelo de Sousa, ou as insídias executadas no Independente (exemplo típico de imprensa marrom, sob a capa de "modernidade"), para se aferir da estofo moral do artista. Pedro Passos Coelho não sabia com quem se enredava. Depois do golpe de cartola, aceitou todas as exigências do parceiro de coligação. Sai desta contenda reduzido a subnitrato e Portas elevado e promovido. A quê, e por quanto tempo?
A miséria destas encenações sem grandeza nem recto propósito é que elas traduzem a leviandade de um indivíduo, já de meia-idade, que se diverte a cometer perjúrios, traições e perfídias sem um pingo de vergonha. Contudo, a vergonha, nestes tempos sombrios, está, ela também, desempregada, e nem resquício da sua presença se adivinha no horizonte das nossas preocupações. O pior de todo este descrédito é que parece ser ele aceito por Belém, sempre em nome do tal "interesse nacional" que oculta, normalmente, as maiores maroteiras. As coisas não podem ficar por este intermezzo, embora ele seja demasiado trágico e doloroso para os portugueses.
BAPTISTA-BASTOS hoje no DN
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