Quando Manuel Pinho era o inquilino do Ministério da Economia pediu um estudo para entender como os mercados olhavam para Portugal. Não seria preciso ir tão longe para chegar às conclusões apresentadas, mas as que foram entregues revelaram algum humor. À pergunta "a que animal associa Portugal?", a maioria respondeu: o burro. Poderia ter sido o touro, podia ter sido a sardinha, mas foi o burro, como também foi o jumento que fez capa no New York Times há uns dias.
É evidente que já não nos devíamos inquietar com estas coisas. O jumento mirandês é um bicho simpático que ajuda a interromper a rotina tipográfica do jornal e é, digamos, muito fofinho, além de até ser um bom postal para os turistas. É muito local e funny e até ecofriendly. Não entendo, por isso, a reação à capa do Times: temos de admitir que a metáfora é zoologicamente certeira. Portugal é um país velho (antigo), desgastado (cansado da austeridade) e mais dependente do que nunca de subsídios europeus para sobreviver - juros amigos, bónus da PAC e outros programas recheados de acrónimos para que ninguém os fiscalize.
O jumento mirandês é apenas o resultado peludo desta política europeia, a mesma que levou à falência a agricultura e as pescas nacionais, mas que ainda tem mesada para atirar uns milhões para o jumento ou para a coruja dos Alpes. Na verdade, tudo isto é apenas a expressão de uma rede de lóbis que leva o que pode. Numas vezes usa os bichos para encher a carteira, noutras os sindicatos. A este propósito é muito significativo o escândalo da UGT espanhola, que usou fundos destinados à formação profissional para oferecer malas de pele - que mandou copiar a uma empresa de Madrid - e fabricar na China.
Apesar de tudo isto, os países ainda fazem mais batota. Os Estaleiros de Viana, por exemplo, que agora provocam lágrimas de indignação - 500 anos depois ainda não enterrámos os Descobrimentos - , são um exemplo de dinheiro público despejado durante anos sob forma de auxílios ilegais a uma companhia que, paradoxalmente, acabou por ficar sem incentivo para competir. Se há subsídio, não é preciso dar lucro, não é? Que os governos façam isto já não espanta ninguém; mas o ponto é outro.
Portugal tem tudo para exibir uma indústria naval rentável. Tem conhecimento e marca. Tem uma zona económica marítima sem paralelo: é a quinta maior do mundo e tem 18 vezes a sua superfície terrestre. Podia ser o país dos estaleiros navais, da investigação e do conhecimento do mar. E no entanto não o é, apesar de o Estado ter sido durante anos um business angel dos diabos: pagou a aventura e não reclamou. Mas esses dias já eram. Convenhamos: nem tudo é Estado social. Os Estaleiros de Viana e os seus navios não o são certamente, apesar de o circo destes dias à volta do assunto ser very tipical de um país que vai de cavalo para burro.
ANDRÉ MACEDO
Hoje no DN
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