Faço uma pequena introdução a esta bela prosa escrita por Óscar Mascarenhas. Jornalista de longa data calcorreou os degraus que o elevaram ao que é hoje. Não precisou de pôr-se de cócoras como muitos o fazem. Senão não malhava forte e feio em quem assim procede. Porque como diz o ditado quem tem telhados de vidro não pode atirar pedradas. E, Fernando Moreira de Sá pelo que consta tem carradas deles. Provedor do leitor no Diário de Notícias não deixa para “boca alheia” o que tem de ser dito. Chama os bois - bois e não boys - porque é assim que eles merecem. Quando não se olha a meios para atingir fins está tudo dito: é a lei da selva. É o que está habituado um tal Fernando Moreira de Sá. Mas para melhor entendimento leiam a prosa.
“Quando o bom padre jesuíta alentejano Manuel da Costa escreveu e dedicou ao rei D. João IV a sua Arte de Furtar, deixou claro que a intenção não era ensinar nada aos amigos do alheio mas denunciar métodos e estratagemas dos que se apropriam do que não lhes pertence, para que sua majestade os castigasse. Nasceu mal esta Arte de Furtar, Espelho de Enganos, Theatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral Dos Reynos de Portugal. Offerecida a Elrey Nosso Senhor D. João IV. Para Que A Emende. Composta cerca de 1652, ficou fora do alcance das vistas uns 90 anos, pelo que D. João IV, ou recebeu em mãos uma cópia, ou nunca pôde saber até que ponto grassava a corrupção em torno de si - que Manuel da Costa, à cautela, dizia serem coisas que se passavam em Espanha...
Mudaram-se os tempos e mantiveram-se as maldades, mas agora sem intenção regeneradora por quem as revela, pelo contrário, incensando as patifarias e elevando-as à condição académica de louvável teoria do mal, com distinção e palma: a arte de manipular, difamar e fazer batota numa disputa democrática. O que deveria ser uma sentida autocrítica escrita nas vascas da morte passa a ser a inversão do Soneto Ditado na Agonia, de Bocage. Onde este escreveu, lancinante, "rasga meus versos, crê na eternidade", um novo vate da putrefação dos costumes rabiscou, ufano, algo como "decora o meu escrito, despreza a honestidade", em vernáculo das ilhas do Porto e algum sotaque de labrego da Galiza.
Diz que é uma tese de mestrado com a classificação mais alta dada por uma universidade galega. Não vou fora disso, mas experimentei alguns embaraços ao ler as 28 páginas do que me foi dito ser uma tese de mestrado. Não sou de formalidades académicas e entendo, como dizem os brasileiros, que "tamanho não é documento": estou mesmo ansioso por que um certo académico cumpra a promessa de fazer a tese de doutoramento em quatro páginas para passar a ser o seu mais sincero admirador. Nem sou intransigente naquelas preciosidades de que as teses devem ter índice e conclusão e bibliografia segundo a regra Roskoff 14, nada disso: só requeiro que uma tese me diga ao que vem, o que pretende demonstrar - e que o demonstre. O resto é capa e batina, não faz o académico.
Mas esta coisa, dita tese, não se parece com nada. É assim uma espécie de relatório de um Jaime Bunda (perdoa, Pepetela!) a contar como fez para ajudar Passos Coelho a ganhar as eleições internas no PSD, não explicando se o autor (ou delinquente confesso) entende se da prática que levou a cabo extrai regras para o futuro ou se, em próxima ocasião, continuará a navegar à vista.
A primeira dificuldade com que tive de me defrontar na "diz que é uma espécie de tese" foi descobrir em que língua foi escrita. Não foi decerto em português e os longos anos de vida em redação deram-me pelo menos a psicologia suficiente para desde já afirmar: o delinquente autor não tem amigos, ou é possuído de tão imensa soberba que prescinde de ouvir opiniões, ou pesam-lhe tanto os remorsos, como se intuirá mais adiante, que não teve coragem de mostrar o manuscrito fosse a quem fosse. A "obra" - no sentido de resultado de quem acaba de "obrar" - não teve ou não mereceu revisão, porque, na língua portuguesa, as vírgulas marcam tempos de respiração e quem queira seguir os cânones arrisca-se a uma síncope cardíaca porque o calceteiro da palavra que a cinzelou espalhou, no final, as vírgulas que trazia num saco de serapilheira para preencher espaços vazios e sorte já eu tive de não encontrar duas seguidas no mesmo espaço. Como bom Tino de Rans da teoria, lá deve ter escovado, no final, com piaçaba...
Os rudimentos que possuo da fala galega não me informam se para lá do rio Minho as vírgulas se botam a eito. Mas, se assim for, temo que aquele povo irmão padeça fortemente de aerofagia e ventre dilatado. Também não sei se por lá é indiferente a concordância em número do sujeito com o verbo, mas acho que não lhes deve dar muito jeito.
Digamos que a analfaprosa foi escrita em moreirês ou lá o que é e alguém com a paciência de Champollion há de conseguir decifrar as garatujas. Penso até que foi por modéstia académica dos mestres que tal hipo-tese (tese cavalar) foi elevada ao panteão da sabedoria: "Não percebi aonde ele quer chegar, mas deve ser defeito meu, pelo que dou a nota máxima." E como estamos em tempo de promoção de equino-valências (lá voltam os cavalos aos pinotes...) aprovaram a tese - ou equivalente.
As 28 tremendas laudas foram, afinal, sacrifício demasiado para nada se retirar delas. Valeram as duas ou três páginas na Visão que Miguel Carvalho conseguiu extrair do delinquente a soldo de Passos Coelho - e de quem este ainda não teve um pingo de dignidade para se demarcar ou assumir as responsabilidades, tal é a lama onde se compraz em atascar.
Como qualquer mercenário de práticas sujas e imorais, as primeiras vítimas das suas memórias são os seus cúmplices. Nem foi preciso zangarem-se as comadres - que estão, agora, verdadeiramente furibundas. O tal Moreira foi vítima de uma coisa mais forte do que ele, como aquele barbeiro que no final do dia, depois de ter dito mal de todos os clientes que iam saindo, se viu sozinho diante do espelho e rematou a jornada: "E tu também me saíste um bom safardana..."
Já há vários anos que José Pacheco Pereira tem vindo a denunciar esta quadrilha de conluio de assessores com jornalistas e da sua estratégia cirúrgica de denegrir e difamar pessoas para fazer subir outras nos poderes partidários e políticos. Mas Pacheco Pereira, por prudência ou pudor, não avançava com nomes - alguns dos quais se atravessaram no caminho do DN, razão pela qual hoje me pronuncio sobre tão sórdido assunto e personagens - mas, agora, eles foram regurgitados por um dos delinquentes, lui-même, impante, a pavonear-se diante de Miguel Carvalho, descendente da raposa de La Fontaine que convenceu o presunçoso a exibir a sua maviosa voz enquanto deixava cair o queijo que trazia no bico.
Só ouvi campainhas a retinir quando soube da reação de Pacheco Pereira a uma crítica que dirigi a um então redator do DN, Francisco Almeida Leite, que havia cometido o que eu julgava ser apenas uma imprudência, publicar um argumentário do Governo para combater os trabalhadores dos transportes em greve, sem ter feito o exercício do contraditório. Vim depois a saber que tal redator havia entrado no DN para chefe de redação, pela mão de um ex-jornalista que fora e é assessor de Cavaco Silva e depois de Martins da Cruz, pre-térito ministro dos Negócios Estrangeiros. Depois do episódio do argumentário, Almeida Leite acabou por sair do DN (com o arnês da requisição bem apertado, para poder regressar do bungee jumping) para o Instituto Camões, daí seguindo para secretário de Estado de Paulo Portas (é sempre bom estar de bem com Pedro e Paulo...), mas apareceu Rui Machete que, talvez no único momento de lucidez do seu exercício ministerial, o dispensou. Agora anda Pedro a tentar encaixar o seu jagunço, segundo o tal Moreira, como banqueiro, e - não vomitem leitores, é apenas esta governação no seu máximo despudor - o figurão foi aconselhado a tirar um cursinho de gestão, que o lugar lhe fica a matar e está guardado para ele. Sic transit gloria mundi, que é como quem diz assim se transita na vanglória da imundície, ou assim eles retouçam, imortais, na pocilga do tacho: de vergonha é que os Pedros, os Paulos e os Franciscos, sendo da cor, nunca hão de morrer.
Nessa altura, Pacheco Pereira trouxe à memória, no seu blogue, o que já havia escrito sobre as mancomunações de jornalistas com políticos em ascensão - nomeadamente para liquidarem Manuela Ferreira Leite - mas continuava a não citar nomes.
Aquele meu comentário recebeu fogo de artilharia de vários fortins chamados blogues e eu, apesar de muito distraído em matéria de nomes, não consegui esquecer alguns. E não é que reencontrei muitos deles na quadrilha da manipulação e intimidação difamatória revelada pelo presumível chefe da delinquência?
Já várias pessoas disseram que se trata de assunto em que deveria ser aberto inquérito na Procuradoria, mas creio que a dificuldade estará em que se trata de "crime particular", reclamando queixa dos molestados. No entanto, certos casos, como o cerco montado a José Sócrates, agora confessado, já parecem recair no crime público, não dependente de queixa, porque se tratava de um primeiro-ministro em exercício. Mas os juristas dirão.
Outros nomes, ligados às tropelias do tal Moreira são de jornalistas do DN que sempre apreciei como homens de dizer não e nunca percebi que bigorna lhes caiu no cocuruto para passarem a ser lacaios de dizer sim a membros deste Governo. Que droga marada deram a estes meus considerados amigos, hoje já fora da carroça do poder - males que vêm por bem - de quem não consigo dizer outro mal que não seja que foram ludibriados já no verão das suas vidas? A trabalhar para Miguel Relvas, dá para acreditar? Um deles disse, um pouco empertigado, que não trabalhou para Miguel Relvas mas para o Governo da República. Não, camarada, a humilhação suprema é que serviste Miguel Relvas! Porque quando lhe calçaram os patins e o despacharam para administrar não sei o quê no Brasil, tu ficaste pendurado: o (teu) Governo da República nem quis saber quem eras. Se um dia te vir a transportar, ajoujado, a pasta de Agostinho Branquinho, não leves a mal se eu mudar de passeio para fingir que te não vi. Mas saberás como te dilaceraste na minha consideração!
António Marinho e Pinto escreveu, quase premonitoriamente, que deveria estar previsto o crime de corrupção jornalística. Tenho dificuldade em aceitar, quer porque não me sinto bem a transferir para juízes cada vez menos capazes de ler um texto o poder de decisão sobre o que é "a" verdade jornalística, quer por não me parecer fácil a prova dos benefícios. Evidentemente, se proliferarem Moreiras tão consistentemente autobufos como este, vamos a isso, Marinho!”
OSCAR MASCARENHASHoje no DN