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Tuesday, September 24, 2013

24 de Setembro:

Celebrava hoje noventa e três anos caso fosse vivo. Há um bom par de anos que deixou este mundo. Recordo-o com eterna saudade. Uma lágrima vem espreitar ao canto do olho mas envio-a logo à procedência. Dele só gosto de recordar as coisas boas. Os conselhos que dava a mim e aos meus irmãos. Sei que todo o ser humano tem virtudes e defeitos. Mas o meu pai tinha mais virtudes que defeitos.
Passou uma vida de sacrifício para criar dez filhos. Trabalhava como um desalmado. Mesmo assim o dinheiro ao fim da quinzena minguava sempre. Doze bocas a comer e vestir-se dava muito trabalho. A minha mãe - coitada, há um bom par de anos que não está entre nós - também ajudava no pouco que havia: acarretar cestos de terra para a construção de uma qualquer casa, na lavoura, no serviço doméstico na casa da D. Engrácia e depois a vender sardinha.
Nessa altura as sardinheiras eram mal vistas e adjectivadas. Dizia para minha mãe. Porque não desiste! E ela retorquia. Porque a vida não o permite. Há quem diga que quem vende a sardinha come a galinha mas como vês a nós não acontece isso. Por isso o meu labutar para vos proporcionar uma melhor alimentação. Compreendia isso.
Quantas vezes vi o meu pai a querer dormir e o efeito do clarão da soldadura para soldar os pés das carteiras escolares não o permitia. O esbagoar era constante. Não eram lágrimas pela miséria que se passava. Eram do trabalho a que estava incumbido. Se fosse das da miséria eram um nunca mais acabar.
O meu pai era um pacato trabalhador num país prudente como gosta João César das Neves. Também foi um cidadão obediente. Nunca viveu para além das suas possibilidades e a viagem mais longa que fez foi ir a Lisboa em serviço e esperar-me quando regressei do ultramar. 
E teve outra grande obediência. Foi a de estar poucos anos reformado. Parece que adivinhava que se vivesse mais anos ia ter alguém a criticá-lo. Por isso a sua verticalidade.
Estou a lembrar estes episódios e não sei se os meus irmãos estão de acordo. Mas como não sou pessoa de ir pôr um ramo de flores na sua campa em lembrança do seu aniversário faço-o com este pequeno e humilde texto.
Bendito o dia vinte e quarto de Setembro de mil novecentos e vinte.        

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