Numa recente audição parlamentar sobre a nova lei de organização judiciária denunciei o escândalo de, muitas vezes, os juízes não deixarem os advogados consignarem nas atas das diligências judiciais os seus requerimentos e protestos contra decisões ilegais e, nessa linha, denunciei também o facto de, em muitas situações, as atas não refletirem o que realmente se passou nas diligências em causa, sendo, portanto, falsas.
Imediatamente o sindicato dos juízes portugueses apresentou uma queixa na Procuradoria-Geral da República, não contra mim, mas - pasme-se - contra os juízes que falsificaram atas, portanto, contra incertos, já que o próprio sindicato diz que não conhece nenhum caso de falsificação de atas. Trata-se de um ardil primário e saloio. O sindicato apresenta queixa contra associados seus cuja identidade diz ignorar e indica-me como testemunha para eu ir a tribunal dizer quem são eles. Tudo com o objetivo de tentar que eu me ponha a jeito para os visados intentarem contra mim processos judiciais.
Recorde-se que, só por eu ter denunciado o facto de o Conselho Superior da Magistratura ter colocado um desembargador a fazer inspeções judiciais numa área onde se situa um tribunal em que ele próprio litigava como parte (levando até a que, pelo menos, dois juízes tivessem pedido escusa em dois processos, justamente porque uma das partes era esse desembargador que os poderia inspecionar) fui alvo de uma ação judicial em que o tal desembargador inspetor do CSM pede aos seus colegas juízes que me condenem a pagar-lhe um milhão de euros de indemnização. Note-se que só para poder contestar essa ação eu tive de pagar cerca de dois mil euros de taxa de justiça senão era condenado no pedido. É para isso que serve a justiça portuguesa dirigida pelos juízes portugueses (pelo menos por muitos deles): para atemorizar os cidadãos, não só os que são diretamente visados com as suas queixas judiciais mas sobretudo aqueles que, vendo essas queixas contra terceiros, optam, por medo, pelo silêncio. A justiça, em Portugal, não é um instrumento de afirmação da liberdade e da cidadania mas sim de medo e de castração cívica.
A manobra saloia do sindicato dos juízes nem sequer é inédita. Há cerca de um ano eu dissera que alguns juízes deviam estar presos por desonestidade e até acrescentei que já houve governantes, deputados, polícias, advogados, médicos, professores, militares, entre outros, presos por desonestidade, mas nunca houve nenhum juiz preso por esse motivo. E perguntei: será que eles são feitos de carne diferente da do comum dos mortais? Será que eles são iluminados por uma chama divina no Centro de Estudos Judiciários que os impede de cair em tentação? Não creio, até porque, mesmo dentro do CEJ, há sinais do contrário, como ficou demonstrado com o célebre «caso do copianço». A razão por que nenhum juiz português foi ainda preso por desonestidade é porque os respetivos processos foram julgados por outros juízes e eles ilibam-se sempre uns aos outros.
Pois bem, em face dessa denúncia, a anterior Direção do sindicato dos juízes apresentou também uma queixa-crime, não contra mim, mas contra os juízes que deviam estar presos (!!!) e indicou-me como testemunha para eu ir ao processo dizer o nome deles. Como a manobra era demasiado óbvia, acabei, não por denunciar ninguém (sempre andei à procura de soluções e não de culpados), mas sim apresentar alguns casos públicos em que o próprio MP acusava juízes de desonestidades gravíssimas e pedia pesadas penas de prisão para eles, acabando – é
óbvio - todos ilibados. Desta vez farei o mesmo e apresentarei não nomes mas antes atas que não retratam o que se passou nas respetivas diligências, tendo até algumas delas originado incidentes de falsidade.
Mas o mais importante é a constatação de que a atitude do sindicato dos juízes releva de uma cultura que tenta condicionar o debate público pelas regras do processo penal. Para os juízes, quem denunciar, por exemplo, a corrupção ou a exploração da prostituição em Portugal terá, obrigatoriamente, de indicar nomes de corruptos e de proxenetas em processo penal.
No JN de hoje
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