Raras vezes a política se confronta com os limites da sua própria essência como foi o caso no passado dia 17 de maio, quando o Parlamento aprovou a lei que permite a coadoção no seio de casais do mesmo sexo.
No seu discurso, a deputada Isabel Moreira recordou aquilo que dá à política a sua dignidade maior: a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. A marcha da história oscila entre períodos em que essa capacidade de ver pelos olhos dos outros predomina, e o mundo ganha luz e novas energias. E outras épocas, em que cada um se fecha no seu casulo de egoísmo e todas as formas de violência ganham rédea solta.
Na lei de 17 de maio, o que esteve verdadeiramente em causa foi a possibilidade de mais de um milhão de portuguesas e portugueses homossexuais assumirem mais alguns dos direitos e deveres da cidadania plena. O grande James Madison descobriu a tendência universal para os humanos se constituírem em "fações", grupos unidos por um interesse comum, defendido belicosamente contra tudo e contra todos.
Nas vozes que se opuseram à lei de 17 de maio, foi possível verificar, mais uma vez, como é que a orientação sexual maioritária pode transformar-se numa fação irracional e agressiva. É curioso verificar que o argumento da "falácia naturalista" (a ideia errada de que a natureza tem em si um imediato valor normativo) foi invocado por aqueles que negam a evidência empírica de que a orientação sexual não é uma escolha, mas um facto, uma condição que cada um encontra no percurso da sua identidade.
A democracia é um equilíbrio de inclusão e distância. Inclusão, pois o outro é reconhecido como igual no contrato social. Distância, pois a balança da igualdade é equilibrada pela proteção de cada um no reduto da sua identidade (onde se inclui a orientação sexual). No dia 17 de maio, a lógica da fação foi vencida pela lógica da liberdade. E com isso, porque alguns souberam calçar as sandálias do outro, crescemos todos. Como cidadãos e como pessoas.
Viriato Soromenho Marques
no DN
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