É fácil. É daquelas personagens que chegam vêem e conquistam quem o rodeia. Fez um ou dois jogos pelas reservas do Sport Lisboa e Benfica e alcançou logo a titularidade. Sabe-se que quando assim acontece alguém é sacrificado. Esse alguém foi Santana. Que grande ídolo! Depois de andar pelos Salgueiros veio parar ao Sport Clube Freamunde como treinador-jogador. Aqui esteve vários anos. Certamente bebeu água do Agrêlo. E não deve ter sido pouca por que fez de Freamunde a sua segunda terra. Rumou daqui para o cemitério de Benfica onde está sepultado desde mil novecentos e oitenta e nove.
Eusébio mostrou ser um goleador nato e em boa hora veio render José Águas. Fazia-nos delirar com os seus dribles em corrida com os seus remates fosse da forma que fosse. Um guarda-redes não sabia qual o momento do remate. Para Eusébio não havia impossíveis. Teve um início auspicioso.Lembro-me dos muitos jogos que vi através da Televisão. Pessoalmente só o vi uma vez em Guimarães. Mas há coisas que não saem da minha memória. E a do Campeonato do Mundo de Futebol (Jules Rimet) de mil novecentos e sessenta e seis é que não me deixa.
Na primeira fase Portugal foi classificado em primeiro lugar e a Hungria em segundo. Eis os resultados de Portugal: Portugal 3-1 Hungria, Bulgária 0-3 Portugal, Brasil 1-3 Portugal. Depois da qualificação há que esperar pelo primeiro jogo da fase de eliminatórias marcado para o dia vinte e três de Julho.
As festas Sebastianas tinham sido antes quinze dias e de arromba como já era apanágio em Freamunde. Andávamos felizes por uma e outra coisa. Nos quatro dias que antecederam o jogo não faltavam comentários sobre a próxima eliminatória à porta do Café Américo. É que a partir da fase de grupos vinham as eliminatórias e diziam muitos que agora é que se ia ver quem tinha unhas para tocar viola. Calhou-nos a Coreia do Norte. Como nós também era uma estreante por estas andanças.
Nesse tempo Portugal padecia de tudo: pobreza, analfabetismo. Trabalho é claro que não faltava mas ganhava-se pouco para o muito que se trabalhava. O horário era das oito horas às doze com intervalo de uma hora para o almoço e das treze às dezassete de segunda a sábado. Anos mais tarde veio a “semana-inglesa” e pouco anos depois a “semana-americana”. Se o jogo era às quinze horas tinha-se que perder tempo o que os patrões não estavam de acordo. Havia obra para entregar e se não fosse entregue os patrões não recebiam e não podiam fazer o pagamento semanal aos seus empregados. A mim acontecia o mesmo.
Nesse tempo Portugal padecia de tudo: pobreza, analfabetismo. Trabalho é claro que não faltava mas ganhava-se pouco para o muito que se trabalhava. O horário era das oito horas às doze com intervalo de uma hora para o almoço e das treze às dezassete de segunda a sábado. Anos mais tarde veio a “semana-inglesa” e pouco anos depois a “semana-americana”. Se o jogo era às quinze horas tinha-se que perder tempo o que os patrões não estavam de acordo. Havia obra para entregar e se não fosse entregue os patrões não recebiam e não podiam fazer o pagamento semanal aos seus empregados. A mim acontecia o mesmo.
Trabalhava na Oficina de Estofos Hernâni em Paços de Ferreira. Foi um grande Freamundense. Naquela altura quem não fosse de Freamunde pelo menos todos os Domingos aqui fazia poiso quer fosse a assistir aos jogos de S. C. Freamunde ou nas tabernas, cafés e outras coisas mais. O senhor Hernâni tinha sido massagista do Sport Clube Freamunde. Mas com ia dizendo todos os seus empregados queriam assistir ao jogo via Rádio Televisão Portuguesa e o senhor Hernâni como bom português que era também queria mas tinha o compromisso da entrega da obra aos seus clientes e com isso o recebimento do dinheiro para pagar aos empregados. Combinou-se o seguinte: de sexta para sábado trabalha-se ininterruptamente até toda a obra ficar pronta. E… assim aconteceu. No sábado por volta das dez horas podemos dar por findo o nosso acordo. Já não podia com o corpo. O sono era muito.
Dormi umas horas e pus-me a pé para almoçar e depois rumar ao Café do Américo para assistir ao jogo sem antes fazermos um jogo de futebol no campo da feira. Chegou-se às quinze horas à que ir guardar lugar nas cadeiras do café. Estava o café à pinha. Começado o jogo sofremos logo um golo. Passados poucos minutos o segundo e o terceiro. Que desilusão. Passar uma noite inteira a trabalhar e ver que os jogadores portugueses não estavam a fazer um mínimo de esforço para contrariar aquele resultado.
Pensava para mim: Portugal na primeira fase tinha sido fogo-de-vista. Lembrava as conversas havidas à porta do Café Américo: “agora é que se ia ver quem tinha unhas para tocar viola”. Tinha que dar razão aos “Velhos do Restelo”. Mas estava neste pensamento quando Eusébio, quem havia de ser, reduzia para um a três. A primeira parte não acabou sem que Eusébio, novamente ele, reduzir para dois a três através de uma grande penalidade cometida sobre Torres. Mas não era o bastante até que o intervalo chegou.
Lá abandonamos o café para dar seguimento ao jogo que tinha sido interrompido. Aproximava-se o início da segunda parte e uma boa parte dos que estavam a jogar já não sentiam vontade de a ir assistir. Eu fui. Se trabalhei uma noite inteira para esse efeito tinha de assistir. Mais a mais depois queria ter bases para fazer críticas. Mas não foi preciso.
Pouco tempo depois de começar a segunda parte Portugal faz os três a três. E quem devia ser o marcador do golo? É claro! Eusébio. A gritaria foi estrondosa. O Café Américo fica a cem metros do campo da feira. Acto contínuo o café ficou repleto e todos gritavam: só mais um. E não é que quando Eusébio vai ficar isolado sofre dois derrubes. Jogada clara para penalti. O árbitro nem hesitou.
Eusébio continuava no chão a ser tratado pelo massagista da selecção nacional Manuel Marques. No café todos pedíamos para o Eusébio se recompor. A alguns pouco faltou para rezarem. Mas as mãos milagrosas de Manuel Marques tudo resolvia. Eusébio dirigiu-se para a marca da grande penalidade a coxear. Batia com as mãos na perna dando a entender que estava adormecida. Que raio de sorte. Só tínhamos confiança nele. Logo agora que podia ser resolvido o resultado.
Mas eis que Eusébio parte para a bola e esta acaba dentro da baliza. Que algazarra no café! Todos se abraçavam e até os velhos do Restelo se rendiam à evidência. A partir dali era fazer um jogo inteligente para segurar o resultado. Os Norte-coreanos estavam com os olhos em bico. Depois veio os cinco a três de autoria de José Augusto. No café as cervejas já não eram bebidas na totalidade. Atiravam-se os restos para o ar. Era uma festa de arromba. Acabado o jogo já não tínhamos vontade para dar continuidade ao que deixamos suspenso. Há que dar azo à alegria.
Assim disse: abençoada a noite de trabalho e o dia vinte e três de Julho de mil novecentos e sessenta e seis. Por todos estes motivos é que Eusébio é enorme. Tanto no cemitério do Lumiar como no Panteão Nacional.
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